sábado, 28 de junho de 2008

FOME

03:30 da manhã.
Vencido pela fome de lua, largo-me de carro à estação mais próxima.
Peço uma sanduíche mista e plastificada. Como-a ali, empurrada por uma cerveja…

Toca-me de leve nas calças, uma mão envergonhada.
Não tinha mais que 10 anos. Olhos grandes e negros, roupa suja e gasta, calçado descalçado, cabelo ruivo de cor ou de lama, rosto negro de sol e de rua, boca fechada de fome.
Diz-me com os olhos e com a voz “Quero comer”.
Morri.
Dei-lhe, claro está, tudo o que o seu pequeno corpo aguentou.
Fiz-lhe mil perguntas. Não respondeu a nenhuma…
Questiono a funcionária se sabia quem era. Responde-me com a mesma frieza do postigo que nos separa “Tem estado aqui”.
Tem estado aqui? Tem 10 anos, merda! Não pediu dinheiro. Pediu comida!
Não sei se a fome lhe veio no intervalo do negócio fiscalizado de longe pelo pai ou pela mãe escondidos…
Para mim era um puto com fome. Os olhos não mentem.

Chamei a polícia.
Breve espera e chegaram. Irrepreensível conduta, de resto. Com ternura na voz e no gesto, lá fomos…

Tinha fugido de casa.
Família de Leste carenciada.
Só de lá saí quando veio o pai.
Igual ao menino em escala maior. Tremiam-lhe as mãos no abraço. Olhos esbugalhados e secos. Esbugalhados pelo álcool, secos por não chorarem há muito…
Recebo um aperto, firme, da mão do pai.
Beijo o filho, em troca de um olhar que me perseguirá sempre.

Soube depois, que esta é uma situação reincidente…

São 05:20
O Samuel não dorme com fome nem ao relento, pelo menos esta noite…
Eu regresso, em triste silêncio, a casa.

JP